Escrevi aqui que os consumidores do daime haviam descoberto meu blog, e um deles me envia o seguinte comentário:
É, Reinaldo, descobrimos o seu blog. E, no fundo, você deve estar contente com esse aumento significativo de leitores. Não sei sobre todos, mas muitos deles são um público “qualificado” mesmo: professores universitários, profissionais liberais, artistas, pesquisadores, cientistas e até jornalistas. Podemos dar um pouco mais de trabalho a você, refinando mais as questões e argüindo um nível maior de debate, mas vale a pena. Será um desafio para você. E nós aplaudimos sua disposição em dar esse espaço. É democrático, apesar de haver alguns ranços autoritários no texto, como “não ouvir a diversidade das vozes e dos lados” e “fazer julgamentos de valores sem uma pesquisa mais profunda”.
Comento
Não deve ser um aumento tão significativo assim, mas não renego. Como já escrevi várias vezes, não posso impedir ninguém de ler o meu blog. Só não esperem de mim que escreva tentando ser amado. No momento, no que diz respeito a crenças, há dois grupos que talvez gostassem de me ver meio tostado numa fogueira: a turma do daime e os sectários do celibato (ver posts abaixo), que acreditam que feri gravemente a Igreja Católica, como se esse debate não pudesse ser feito.
Nos dois casos, fico um pouco surpreso é com certa incapacidade de ler o que está escrito e, pois, de responder ao que não está. Mas é um preço que se paga, não é? Não fico bem no gênero “blogueiro incompreendido”.
Quanto à formação escolar ou profissional dos daimistas, não pense, meu caro, que me surpreendo. Absolutamente não! Há certo desejo de transcendência em camadas mais intelectualizadas que parece ser aplacada com o chá. Ele ajudaria a atravessar certos umbrais sem que a isso precise corresponder uma disciplina severa ou uma ética mais restritiva.
O tempo da cerimônia se torna um lapso de suposta viagem instrospectiva, em que os convivas supostamente esquecem “o que se tornaram” (o falso) para chegar ao que “realmente são” (o verdadeiro). A sede de transcendência é uma sede da verdade. Em religiões mais tradicionais, chega-se a esse lugar espiritual pela fé e pela observância de alguns preceitos. Os três grandes monoteísmos, para ficar nas religiões mais tradicionais, ensejam uma disciplina que, admito, é dura de seguir.
O daime, ademais, tem o charme adicional de ser uma religião cuja origem — a da bebida ao menos — remonta a mundos ignotos. A beberagem foi redescoberta, depois, por um homem rústico, e isso a muitos parece irresistível. É como se essa elite mais intelectualizada descobrisse um bom motivo para se ajoelhar no altar do povo…
O nosso tempo é propício a essas manifestações. O povão foi ver Avatar certamente interessado nos efeitos especiais e coisa e tal. Afinal, aquilo tudo realmente impressiona. Alguns mais descolados foram ao cinema em busca de uma “mensagem”. Aquela xaropada de “Mãe Natureza”, de uma sabedoria essencial e telúrica, de que seríamos parte, é um dos delírios da modernidade.
Nesse sentido, a ancestralidade do chá serve às fantasias contemporâneas. Não por acaso, as igrejas do daime não vão disputar espaços urbanos com os “templos” de Edir Macedo. Elas precisam evocar um clima rústico, de floresta — nem que seja a “floresta” ali do Pico do Jaraguá, cercada de favelas e moradias irregulares por todos os lados.
Boa parte dos modernos acredita pertencer à civilização dos Na’vis… Fiquem à vontade esses “novos leitores”. Só não me peçam para acreditar nas virtudes curativas da Mãe Natureza ou do chá. Eu acredito é em antibiótico, antidepressivo, anti-histamínico, essas coisas estranhas da indústria capitalista, consumista e neoliberal, como diria aquele professor da USP especialista em droga… E sou católico. Não me venham dizer que a Trindade é mais esquisita do que a miração…
Extraído do Blog do Reinaldo Azevedo
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