No texto Carta a um universitário cristão, o historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil Alderi Souza de Matos orienta com propriedade os jovens cristãos que entram no ambiente universitário, preparando-os para os desafios que os aguardam no meio acadêmico, incrédulo e secularizado. Neste texto, o historiador afirma coisas como:
Até ingressar na universidade, você viveu nos círculos protegidos do lar e da igreja. Nunca a sua fé havia sido diretamente questionada. Talvez por vezes você tenha se sentido um tanto desconfortável com certas coisas lidas em livros e revistas, com opiniões emitidas na televisão ou com alguns comentários de amigos e conhecidos. Porém, de um modo geral, você se sentia seguro quanto às suas convicções, ainda que nunca tivesse refletido sobre elas de modo mais aprofundado. Agora, no ambiente secularizado e muitas vezes abertamente incrédulo da universidade, você tem ficado exposto a idéias e teorias que se chocam frontalmente com a sua fé até então singela, talvez ingênua, da infância e da adolescência.
Entendo o ponto de vista do historiador que sabe o que representa o momento quando ingressamos em uma Universidade. Geralmente, os estudantes saem da casa dos pais e do convivío da igreja que frequentavam, mudando-se para outra cidade para poder estudar [1]. Realmente, é uma grande mudança de vida. Mesmo assim, discordo com ele quando sugere que até então nossa fé não é diretamente questionada, ou que até o momento em que ingressamos na Universidade ela é singela ou ingênua. Pode ser que isso fosse verdade há anos atrás, mas pessoalmente, minha fé foi tão provada e questionada na época da adolescência na escola quanto na juventude na Universidade, e mesmo com um olhar de fora, percebo que isso se acentuou ainda mais nos últimos anos.
Questionamentos sobre religião em geral, sobre a existência ou não de Deus, críticas pesadas ao Cristianismo, à Igreja Católica e aos evangélicos/protestantes, afirmações de que a Bíblia é cheia de erros, mitos, manipulações, a divisão entre fé e razão; todas estas coisas, e outras, eu já ouvia muito tempo antes de entrar na Universidade, da boca de colegas e professores. Mesmo a minha irmã, por exemplo, quando cursava apenas a quinta série, replicou corajosamente (e respeitosamente) em plena sala de aula com um professor de História Geral quando este apresentava à classe suas opiniões fortes contra Deus e a Bíblia; ela, ainda criança, não teve que esperar o ingresso em uma Universidade para se encontrar nesta situação.
Claro que eu me sentia seguro na esfera familiar e da igreja, e claro que na época eu não tinha a mesma maturidade e vivência de hoje, mas mesmo assim tinha que lidar com estas coisas. Nunca estudei em uma escola confessional, e nas que passei (em sua maioria públicas) tive acesso à visões incrédulas e secularizadas como no Ensino Superior. Se isso já era assim há alguns anos atrás (de 15 a 20 anos), o que dizer então dos dias de hoje?
Os adolescentes, e mesmo os pré-adolescentes [2], conectados em banda larga neste mundo doido pós-cristão, tem acesso à muito mais informações do que em minha época nesta fase, já lidando com questionamentos sérios ligados, por exemplo, às áreas da sexualidade e crença, e diante disso, imagino que os próprios professores tiveram que se reciclar para encarar esta nova geração [3], ajudando-os e orientando-os neste oceano de informações. Mas se na minha época de adolescente alguns deles já promoviam sua visão contrária a Deus e à fé cristã, alguns de forma mais agressiva do que outros, penso que hoje não é diferente, ainda mais nesta época tão secularizada em que vivemos.
Ontem estava folheando a Revista da Cultura e vi o relato de um adolescente que estava comprando um livro com o objetivo de ter uma ideia geral dos grandes filósofos. Alguém poderia dizer que isso seria um caso isolado de cdf/nerd/geek, mas não penso assim, pois não foi o primeiro que vi buscando informações deste tipo; acho que isso representa uma tendência em nossos dias, onde os adolescentes se interessam mais pelos assuntos. Eles, desde cedo muito antenados, tem procurado cada vez mais sentido em suas vidas, buscando-o nas mais diversas fontes filosóficas, religiosas e culturais, disponíveis para eles de maneira muito fácil e rápida na Internet.
Além disso, como já destaquei anteriormente, mesmo as histórias em quadrinhos deixaram de ser infantis há muito tempo, mas ainda acessíveis a pessoas de diferentes idades. Watchmen, por exemplo, o gibi mais denso e complexo que conheço, é lido tanto por adolescentes quanto por adultos.
Diante deste cenário, a minha pergunta é: qual a resposta da Igreja diante disso? Será que estamos preparando os nossos adolescentes para os desafios que os aguardam neste mundo moderno? Será que estamos os conduzindo à um estudo sério e inteligente da Palavra de Deus, fazendo com que eles realmente pensem e reflitam sobre ela, ao invés de enfiar jargões repetitivos em suas cabeças? Eles estão sendo ensinados corretamente que a reflexão teológica é um exercício sadio de fé, e não dispensável ou mesmo contrário a ela?
Não acho que é necessário ensinar questões complexas demais, que só rendem discussões sem fim, mas ficar só no bê-a-bá a vida inteira também não dá. Nos dias de hoje, a Igreja precisa auxiliar seus adolescentes e jovens mais do que nunca, fazendo com que trabalhem seus conhecimentos das Escrituras Sagradas. Em Lucas 2, vemos o relato de um Jesus adolescente assentado em meio a doutores, ouvindo-os e interrogando-os. Não creio que isso se deveu à algum milagre, mas pelo fato de que mesmo Ele buscava o estudo da Palavra de Deus, e crescia "em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens". O Filho de Deus, que na realidade misteriosa da Encarnação assumiu a forma humana esvaziando-se de Sua Glória (Jo. 17:5; Fp. 2:6-8), restabelecida após a ressurreição, dá o exemplo para nós de amor e dedicação no estudo das Escrituras Sagradas.
Se nossos adolescentes e jovens não estão se exercitando no conhecimento das Escrituras, se eles negligenciam ou são negligenciados no estudo da Palavra, posso garantir que os outros estão trabalhando e estudando, e muito bem, baseados em pressupostos muitas vezes contrários à Vontade de Deus. A Igreja corre o risco de criar uma geração de jovens crentes defasada, insegura, ingênua, e que pode até mesmo abandonar o seio cristão por julgar ser ele incapaz de prover respostas racionais aos grandes questionamentos da vida, quando na verdade, como defendia o grande pastor e pensador Francis Schaeffer, o Cristianismo é o único capaz de fornecer a resposta verdadeira. Assino embaixo.
Que Deus, em Sua Graça, levante homens e mulheres piedosos no ensino inteligente da Palavra de Deus aos nossos irmãos mais jovens, que por sua vez, tem que estudar; hoje em dia não existe mais espaço para preguiça. Além disso, gostei muito do texto de Alderi Souza de Matos, e recomendo sua leitura, mas considerando o momento atual, acho de verdade que seu título deveria mudar para "Carta a um adolescente cristão".
[1] Cursei a Faculdade na cidade onde morava no interior, mas mesmo assim, tive que me afastar dos meus pais e igreja para vir trabalhar em São Paulo, morando em uma república com um bom amigo. Senti a mudança, mesmo que tardia.
[2] Eu prefiro mesmo chamar "pré-adolescentes" simplesmente de crianças, mas vou usar aqui o termo em voga.
[3] Pelo menos, assim espero.
Extraído de Nerd Protestante
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