Existe o Absoluto?
Muita coisa tem sido dita a respeito da relativização da verdade. A filosofia, frustrada com suas próprias tentativas de chegar a valores absolutos que tragam um senso de segurança para o desespero típico do homem pós-moderno, tem chegado à confortável conclusão de que tal busca pelo absoluto é precisamente a origem do desespero. Dessa forma, as leituras pessoais independentes que possibilitam a adoção de verdades particulares parecem fornecer as respostas mais plausíveis.
A tese é que nenhuma verdade é absoluta porque os indivíduos que a assimilam são extremamente diferentes uns dos outros, o que fatalmente conduzirá a interpretações diferentes. Daí o conceito de que a verdade é relativa, e dois pontos de vista diametralmente opostos acerca do mesmo assunto podem ser igualmente válidos – pois a verdade passou a ser de âmbito privado. Sob essa forma de pensar, a verdade se acomoda ao homem e não o homem à verdade. Isso parece ser mais uma tentativa do homem de se tornar um pensador independente – livre de qualquer tirania.
Os pensadores pós-modernos consideram que o conceito absoluto de verdade é tirano. Submeter-se a uma verdade absoluta é negar a liberdade do homem e até mesmo a diversidade da raça.
Não é difícil depreender o fato de que o cristianismo – que já se tornou fundamentalista, na análise de muitos intelectuais – é uma ameaça à liberdade de pensar. O cristianismo é fundamentado em conceitos absolutos e é sustentado pela fé em um Deus que, nas palavras de James Houston, é o “Absoluto Absoluto”.
A Inconsistência da Verdade Enquanto Conceito Absoluto
De fato, a verdade, como um conceito absoluto, está fadada ao fracasso. A lógica é clara. Referências diferentes e contextos diferentes geram interpretações diferentes, e limitar a verdade a um mero conceito é sujeitá-la a tais interpretações. Por outro lado, podemos dizer que a verdade se revela nos fatos, e os fatos, na maioria das vezes, são diferentes de acordo com as interpretações dos mais diversos observadores.
Um exemplo: duas pessoas podem fazer leituras diferentes de determinada cor em um objeto. O que para um é verde, para o outro pode ser azul, dependendo do conceito que este tem das cores. Ou seja, para observadores diferentes, sujeitos a impressões diferentes, temos interpretações diferentes que sugerem fatos diferentes.
A verdade, sob essa ótica, não é única. Isso acontece com qualquer análise conceitual. Inúmeras verdades podem ser geradas por inúmeros intérpretes. Sendo assim, os homens criam suas próprias verdades, pois todo conceito está sujeito a interpretações.
É por esse motivo que o Apóstolo João se refere à encarnação como um dos pilares da fé cristã. “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (Jo 1.14). O Verbo (Logos), que para os gregos nada mais era do que um conceito indefinido de uma força criadora, porém impessoal, na abordagem de João, deixa de ser um mero conceito a ser interpretado e passa a assumir forma humana. Jesus – a Verdade encarnada – faz da verdade não mais um conceito a ser interpretado e alterado ao longo das décadas, mas uma pessoa. E isso muda completamente a história. Um conceito pode ser explorado, assimilado e abordado segundo diferentes interpretações, mas a única abordagem aceita, quando se trata de uma pessoa, é o relacionamento.
Cristo veio deixar claro que a verdade não é um conceito e, sim, uma pessoa. E dessa forma, a verdade se torna absoluta, pois o conceito pode ser relativizado com vistas à assimilação, mas a pessoa não. Ninguém pode mudar uma pessoa simplesmente por meio de interpretações. Mas o contato pessoal por meio de relacionamento, esse, sim, é profundamente transformador.
O grande problema ao lidarmos com a verdade é que pensamos na verdade como um conceito. E todo conceito pode ser manipulado, até mesmo no que diz respeito à fé cristã.
Quando pensamos no cristianismo como um conceito, um livro de regras de conduta, um código moral, uma filosofia de vida ou qualquer coisa do tipo, submetemo-lo – assim como qualquer conceito – ao poder das interpretações. Quando a verdade do cristianismo está sujeita a interpretações humanas, o resultado é religião. Creio ser esse um dos grandes problemas da igreja hoje. O cristianismo é vivido como uma série de conceitos friamente interpretados e a igreja, ao invés de ser aquele organismo vivo e transformador no qual a Verdade opera por meio de relacionamentos pessoais, passa a ser um órgão informativo que procura disseminar conceitos de como se pode viver melhor.
Como Chegar à Verdade?
Uma das maiores crises que os líderes cristãos sinceros passam em seus ministérios é a incoerência entre o domingo e a semana, na vida dos crentes. Como as pessoas conseguem desenvolver um estilo de vida completamente oposto ao cristianismo, se estão na igreja domingo após domingo? Por que a palavra não muda a vida e a conduta de muitas pessoas que se dizem cristãs? Creio que, enquanto a palavra não se tornar a Palavra Encarnada, que não se acomoda às interpretações, mas incomoda todo aquele que com ela se relaciona, não veremos muita mudança.
A proposta de Cristo – o caminho, a verdade e a vida (bases absolutas) – é a de que, para chegar ao conhecimento da verdade, é necessário um relacionamento pessoal com ele.
“...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8.32).
“Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo 8.36).
A tirania aprisionadora é, de fato, a tirania da verdade manipulada pelas interpretações humanas – a tirania da grande mentira. Cristo se coloca como o único que pode nos libertar pelo conhecimento da verdade. Nossa assimilação da verdade não se trata de uma questão cognitiva e, sim, relacional. Não é por meio da informação que compreendemos a verdade, mas é por meio do relacionamento com a Verdade encarnada que nos tornamos livres. O relacionamento nos leva à verdade incorrupta – a verdade como realmente é.
A prática da verdade é o relacionamento vivo com Cristo. Quando falamos de praticar a palavra, não podemos limitar essa prática a um simples cumprimento de regras estabelecidas, nem tampouco à prática de dicas para se viver uma vida feliz. Se a proposta do cristianismo fosse essa, seria apenas mais uma forma de auto-ajuda. A prática da verdade é o resultado de uma vida de relacionamento com Jesus. Um dos maiores erros que alguém pode cometer é o de tentar interpretar Jesus ao invés de relacionar-se com ele.
Uma das figuras que Jesus assumiu na Bíblia é a figura do Mestre. O Mestre não apenas ensina o conceito, mas transforma conceito em vida por meio do relacionamento.
Isso nos leva a uma conclusão. Se a verdade é revelada por meio do relacionamento, a comunhão é o método de ensino de Jesus. Assim, se quisermos uma igreja instruída na Verdade, precisamos deixar de apenas disseminar conceitos em púlpitos e aulas de Escola Dominical para, através de relações vivas e significativas, transformarmos esses conceitos em vida.
Creio que é a isso que o Apóstolo Paulo se refere quando escreve:
Mas, falando a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo (Ef 4.15).
O amor é a linguagem da Verdade. E a igreja é a comunidade da Verdade. Precisamos deixar de ir à igreja para começarmos a ser a igreja. Precisamos deixar de interpretar a Verdade para viver a Verdade, por meio da Verdade e para a Verdade.
Mateus Ferraz de Campos é um dos pastores da Igreja do Nazareno em Americana - SP
E-mail: prmateusferraz@cantodoceu.com.br
Visite o site:
por Mateus Ferraz de Campos
Um comentário:
ótimo post.
Parabéns pelo seu blog
Abraços
Postar um comentário